Kika, a minha gatinha, na brincadeira, fez-me um pequeno arranhão na mão direita. Nada que tenha importância - no entanto, achei conveniente desinfectar – acabo de escrever desinfectar, paro e penso: - desde que me lembro nunca hesitei como agora para escrever uma palavra! - ponho c, antes do t ,ou não? -isto do novo acordo ortográfico deixa-me com vontade de mandar passear quem o decidiu e fazer como meus Pais fizeram no seu tempo – continuaram a escrever como tinham aprendido indiferentes às mudanças de farmácia com ou sem ph, etc. etc…
Mas, não foi a nova moda da escrita que me prendeu a atenção, o que me fez confrontar com a minha realidade foram as minhas mãos. De repente tive a sensação que estava a cuidar das mãos da minha Avó quando me pedia ajuda por se ter arranhado ao cuidar das suas flores.
Por esse tempo, lembro-me de ficar comovida e triste quando ela com um ar nostálgico dizia: chamam-se a estas manchas “ rosas do túmulo” e, com uma das mãos afagava as costas da outra alisando a pele, enrugada e murcha cheia de pequenas manchas castanhas como sardas.
Ocorreu-me isso, agora, fixando as minhas próprias mãos, e logo me lembrei da Querida Matilde Araújo passando a sua mão macia pelas minhas, calejadas e ásperas dos canivetes, limas e formões na época em que eu fazia figurinhas em pau de buxo, dizendo-me, com apreço, naquele seu jeito de falar quase entoado – as suas mãos são as suas obreiras, Maria José!
As mãos, são o ponto que fixo, observo e mais me encanta em qualquer pessoa. Nas fotografias, é para onde olho em primeiro lugar. A linguagem das mãos seduz-me e apaixona-me. As mãos casam-se com os olhos para falar da alma. Completam-se.
Também num dos meus primeiros livros de escola, havia uma lição que começava assim: “ fora daquelas mãos estilizadas que os pintores debuxam nos seus quadros, não há mãos bonitas na sociedade propriamente dita”.
E, depois, vinha a frase de que eu mais gostava” as mãos de minha mãe tinham um calo de abrir e fechar a porta da despensa”
Eu via essa mãe, o molho das chaves e, sentia-me mimalha pedindo como se de minha própria Mãe se tratasse: - deixe-me ver, eu não mexo em nada, e olhava em volta corando como se alguém ouvisse a voz do meu desejo.
Por estas e outras lembranças, muitas vezes penso na responsabilidade de quem educa crianças.
O mundo delas não cabe no nosso…abrange-o, mas ultrapassa-o.
Quase oitenta anos depois, ainda vejo as imagens que o meu coração desenhava lendo ou ouvindo estas pequenas coisas.
Beijou-lhe as mãos…Apertou-lhe a mão…
Mordeu a mão que o amparou…
Afinal, as mãos, são, mais do que as extremidades dos membros superiores. Sem deixar de o ser, são ainda, também, e muito principalmente: - as “extremidades frágeis de nossos gestos imperfeitos, onde às vezes nascem flores” – ou não…
Maria José Rijo em http://paula-travelho.blogs.sapo.pt/309313.html