Millôr Fernandes
Millôr Fernandes (Rio de Janeiro, Brasil 1923 — 2012)
Poeminha de Insatisfação Absoluta
O que me dói
É que quando está tudo acabado
Pronto pronto
Não há nada acabado
Nem pronto pronto
Pintou-me a casa toda
Está tudo limpado
O armário fechado
A roupa arrumada
Tudo belo, perfeito.
E no mesmo instante
Em que aperfeiçoamos a perfeição
Uma lasca diminuta, ténue, microscópica,
Não sei onde,
Está começando
Na pintura da casa
E as traças, não sei onde,
Estão batendo asas
E a poeira, em geral, está caindo invisível,
E a ferrugem está comendo não sei quê
E não há jeito de parar.
Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"
Poeminha sobre as Reacções Paradoxais numa Sociedade
Na conversa sofisticada
a debutante, nervosa,
tem um problema bem seu:
fingir que entende tudo
ou fingir que não entendeu
Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"