23
Nov08
Meditação versus Concentração
eva
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...Ora pois, talvez pela primeira vez na minha vida (eu, considerado como alguém que faz meditação todos os dias!) peguei na lâmpada, e deixando a zona, aparentemente clara, das minhas ocupações e das minhas relações quotidianas, desci ao mais íntimo de mim mesmo, ao abismo profundo donde sinto confusamente que emana o meu poder de acção. Ora, à medida que eu me afastava das evidências convencionais com que é superficialmente iluminada a vida social, notei que me escapava a mim mesmo. A cada degrau descido, descobria-se em mim um outro personagem, cujo nome exacto já não podia dizer e que já me não obedecia. E quando tive de parar na minha exploração, por me faltar o terreno debaixo dos pés, deparava-se-me um abismo sem fundo donde saía, vinda não sei donde, a onda que eu me atrevo a chamar a minha vida.
...Que ciência poderá jamais revelar ao Homem, a origem, a natureza, o regime do poder consciente de querer e de amar, de que é constituída a sua vida? Não foi o nosso esforço, com certeza, nem o esforço de ninguém à nossa volta, que desencadeou esta corrente. Também não é a nossa solicitude nem a de nenhum amigo que regula com antecedência a sua baixa ou lhe modera a efervescência. Podemos com certeza, assinalar a passo e passo no decorrer das gerações as antecedências parciais da torrente que nos faz viver. Podemos ainda com certas disciplinas ou com certos excitantes, físicos ou morais, regular ou dilatar o orifício por onde essa corrente jorra em nós. Mas nem com esta geografia, nem com estes artifícios chegamos, nem em pensamento nem na prática, a captar as fontes da vida. Recebo-me muito mais do que me faço. O homem, diz a Escritura, não pode ajuntar uma polegada à sua estatura. Menos ainda pode ele aumentar uma unidade ao seu potencial de amor, nem acelerar numa só unidade o ritmo fundamental que regula a maturação do seu espírito e do seu coração. Em última análise, a vida profunda, a vida fontal, a vida nascente furtam-se absolutamente à nossa apreensão.
...E então, perturbado com a minha descoberta, quis voltar à luz, quis esquecer o inquietante enigma no confortável ambiente das coisas familiares, – recomeçar a viver à superfície sem sondar imprudentemente os abismos. Mas eis que, sob o próprio espectáculo das agitações humanas, eu vi reaparecer diante dos meus olhos experientes, o Desconhecido de quem queria fugir. Desta vez não se ocultava no fundo de um abismo: agora, dissimulava-se por detrás da multidão dos acasos entrecruzados de que é tecida a tela do Universo e a da minha humilde individualidade. Mas era realmente o mesmo mistério: eu identifiquei-o. O nosso espírito perturba-se quando tentamos medir a profundeza do Mundo abaixo de nós. Mas vacila também quando tentamos contar as sortes favoráveis de cuja confluência resulta, a cada instante, a conservação e o perfeito desenvolvimento do menor dos seres vivos. Depois de ter tomado consciência de ser um outro e um outro maior do que eu – uma segunda coisa me causou vertigens: foi a suprema impossibilidade, a formidável inverosimilhança de me encontrar a existir no seio de um Mundo realizado com êxito.
...Neste momento, como qualquer que quiser fazer a mesma experiência interior, senti pairar sobre mim a angústia essencial do átomo perdido no Universo, – a angústia que faz sossobrar diàriamenbe vontades humanas debaixo do número esmagador dos seres vivos e dos astros. E se alguma coisa me salvou, foi o ouvir a voz evangélica, garantida por êxitos divinos, que me dizia, do mais profundo da noite: «Ego sum, noli timere» (Sou eu, não tenhas medo).
...Sim, meu Deus, assim o creio e assim o acreditarei de tanto melhor grado quanto nisso não está em jogo só o meu apaziguamento, mas o meu acabamento; sois vós que estais na origem do balanço e no termo da atracção – cujo primeiro impulso e cujas linhas de evolução eu não faço senão seguir e favorecer durante toda a minha vida. E sois Vós também que vivificais para meu bem, com a vossa omnipotência (melhor ainda do que o faz o meu espírito para com a Matéria que ele anima) as miríades de influências de que eu sou objecto a cada instante.
...Que ciência poderá jamais revelar ao Homem, a origem, a natureza, o regime do poder consciente de querer e de amar, de que é constituída a sua vida? Não foi o nosso esforço, com certeza, nem o esforço de ninguém à nossa volta, que desencadeou esta corrente. Também não é a nossa solicitude nem a de nenhum amigo que regula com antecedência a sua baixa ou lhe modera a efervescência. Podemos com certeza, assinalar a passo e passo no decorrer das gerações as antecedências parciais da torrente que nos faz viver. Podemos ainda com certas disciplinas ou com certos excitantes, físicos ou morais, regular ou dilatar o orifício por onde essa corrente jorra em nós. Mas nem com esta geografia, nem com estes artifícios chegamos, nem em pensamento nem na prática, a captar as fontes da vida. Recebo-me muito mais do que me faço. O homem, diz a Escritura, não pode ajuntar uma polegada à sua estatura. Menos ainda pode ele aumentar uma unidade ao seu potencial de amor, nem acelerar numa só unidade o ritmo fundamental que regula a maturação do seu espírito e do seu coração. Em última análise, a vida profunda, a vida fontal, a vida nascente furtam-se absolutamente à nossa apreensão.
...E então, perturbado com a minha descoberta, quis voltar à luz, quis esquecer o inquietante enigma no confortável ambiente das coisas familiares, – recomeçar a viver à superfície sem sondar imprudentemente os abismos. Mas eis que, sob o próprio espectáculo das agitações humanas, eu vi reaparecer diante dos meus olhos experientes, o Desconhecido de quem queria fugir. Desta vez não se ocultava no fundo de um abismo: agora, dissimulava-se por detrás da multidão dos acasos entrecruzados de que é tecida a tela do Universo e a da minha humilde individualidade. Mas era realmente o mesmo mistério: eu identifiquei-o. O nosso espírito perturba-se quando tentamos medir a profundeza do Mundo abaixo de nós. Mas vacila também quando tentamos contar as sortes favoráveis de cuja confluência resulta, a cada instante, a conservação e o perfeito desenvolvimento do menor dos seres vivos. Depois de ter tomado consciência de ser um outro e um outro maior do que eu – uma segunda coisa me causou vertigens: foi a suprema impossibilidade, a formidável inverosimilhança de me encontrar a existir no seio de um Mundo realizado com êxito.
...Neste momento, como qualquer que quiser fazer a mesma experiência interior, senti pairar sobre mim a angústia essencial do átomo perdido no Universo, – a angústia que faz sossobrar diàriamenbe vontades humanas debaixo do número esmagador dos seres vivos e dos astros. E se alguma coisa me salvou, foi o ouvir a voz evangélica, garantida por êxitos divinos, que me dizia, do mais profundo da noite: «Ego sum, noli timere» (Sou eu, não tenhas medo).
...Sim, meu Deus, assim o creio e assim o acreditarei de tanto melhor grado quanto nisso não está em jogo só o meu apaziguamento, mas o meu acabamento; sois vós que estais na origem do balanço e no termo da atracção – cujo primeiro impulso e cujas linhas de evolução eu não faço senão seguir e favorecer durante toda a minha vida. E sois Vós também que vivificais para meu bem, com a vossa omnipotência (melhor ainda do que o faz o meu espírito para com a Matéria que ele anima) as miríades de influências de que eu sou objecto a cada instante.
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de Teilhard de Chardin
in "O Meio Divino"
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