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Caminhos de Eva

Caminhos de Eva

Eva percorrendo umas vezes estradas, outras veredas. Caminhando sempre com amor e a esperança de encontrar a porta certa. Parando de vez em quando para retemperar forças... admirar uma flor… uma paisagem… fazer novas amizades... e meditar... e reencontrar velhos amigos... e demais companheiros de jornada!
22
Abr11

Maria João Brito de Sousa - Mas tu não vês?

eva

Mas tu não sabes,

Tu não vês

Que cada dia,

Só será dia se o tiver justificado?

 

Nunca sentiste

Essa estranhíssima euforia

Que perpetua

Aquilo que é criado?

 

Não reparaste

Nas razões que desconheces

A sorrirem pr’a ti

Como se as preces

Não fossem as fronteiras

Do tangível?

 

Duma humildade que tanto apregoas,

Duma vontade que não dá descanso,

Desse incondicional nunca parar

Que irá justificar sermos pessoas…

 

Daquilo que vais dando e eu nunca alcanço

Porque é sempre um recuo, esse alcançar…

 

Se crês poder voar…

                                     porque não voas?


 

Maria João Brito de Sousa em  http://liberdadespoeticas.blogs.sapo.pt/2011/03/09/


11
Fev11

Maria João Brito de Sousa - Chão de mim

eva

Toco este chão

Com olhos de quem beija

E sei que não embarcarei

Mais vez nenhuma

 

Chão de mim

Em mutação constante

Que outra força

De mim te afastaria?

 

Constantemente o toco

Com mãos ocas de um nada

Que despejo

E depois recolho

Cheias de um tanto

Que só eu desvendo

 

Por isso sei

Que não embarcarei

Enquanto as mãos

Puderem sentir

E pressentir

O chão que me deu vida

 

 

Maria João Brito de Sousa

in http://liberdadespoeticas.blogs.sapo.pt/

de 17.11.10

11
Jan11

Maria João Brito de Sousa - Seja em que Universo for!

eva

Aqui estou,

completamente desdobrada

entre o meu eu do primeiro instante

e o meu eu do último segundo,

no momento exacto

em que acabo de riscar

o que foi escrito

e começo a desenhar

a primeira letra do que está por escrever

 

Isso sou,

não mais e nunca menos,

exceptuando o pequeno intervalo

entre ser e não ser

em que fui tão além

sem que pudesse escrevê-lo

porque escrever não fez

nem poderia ter feito o menor sentido

 

Irei,

enquanto se me não cumpre esta distância

entre antes e depois

e nada mais peço

se não este ser

gato-com-ou-sem-botas,

bicho-alado-sem-asas

ou fruto perfeitamente cristalizado

no mesmíssimo ponto

em que qualquer árvore É

antes de lhe apodrecer a raiz

e depois de a Vontade a ter tocado

seja em que universo for!

 

Maria João Brito de Sousa – 01.12.2010

01
Jun10

Almada Negreiros # Pede-se a uma criança...

eva

Em Portugal comemora-se hoje o Dia da Criança.

Decidi ilustrá-lo com uma das mais belas páginas sobre crianças.

 

Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

 

de Almada Negreiros

in "O Regresso ou o Homem Sentado - III parte" 

 

29
Mai10

Dia Mundial da Energia # Não vá ser tarde... de Maria João Brito de Sousa

eva

Há muitas formas de energia no Universo.

 

 

Optei por ilustrar deste modo e com um poema da "nossa" querida Maria João.

 

A cada um a sua energia?

 

 

Não vá ser tarde...

 

 

Queixo-me destas mãos

que se me colam

às folhas de papel

dos dias neutros

 

quantos dias, porém,

me serão neutros

se as folhas de papel

se me colarem às mãos?

 

Subo ao telhado

da nova contradição

vestindo as penas brancas

de um segredo

e rio-me dos fios de prata que correm

nas caleiras de um medo desconhecido

 

depois torno a queixar-me

das mãos neutras

coladas ao papel dos dias

dou um salto

em forma de metáfora 

e pouso suavemente

na superfície desta enchente de mim

 

Lembro as fábulas

que os deuses me contavam

no tempo em que o homem dominava a terra

e as cidades cresciam como cogumelos

 

então, encosto-me

à metade verde dos anjos

não vá,

de repente,

ser tarde demais para renascer

 

Maria João Brito de Sousa

in blog http://liberdadespoeticas.blogs.sapo.pt/

19
Mar10

Pablo Neruda # O Pai

eva

Ricardo Eliezer Neftalí Reyes Basoalto nasceu em Parral, Chile, em 12 de julho de 1904. Anos mais tarde, em 1923, Ricardo Basoalto vendeu todos os seus bens, penhorou o relógio presenteado pelo pai e publicou o seu primeiro livro, “Crepusculario”. O mundo ficou a saber que havia um poeta que assinava Pablo Neruda.

 

 

O Pai

 

Terra de semente inculta e bravia,

terra onde não há esteiros ou caminhos,

sob o sol minha vida se alonga e estremece.

 

Pai, nada podem teus olhos doces,

como nada puderam as estrelas

que me abrasam os olhos e as faces.

 

Escureceu-me a vista o mal de amor

e na doce fonte do meu sonho

outra fonte tremida se reflecte.

 

Depois... Pergunta a Deus porque me deram

o que me deram e porque depois

conheci a solidão do céu e da terra.

 

Olha, minha juventude foi um puro

botão que ficou por rebentar e perde

a sua doçura de seiva e de sangue.

 

O sol que cai e cai eternamente

cansou-se de a beijar... E o outono.

Pai, nada podem teus olhos doces.

 

Escutarei de noite as tuas palavras:

... menino, meu menino...

 

E na noite imensa

com as feridas de ambos seguirei.

 

 

Pablo Neruda, in "Crepusculario"

 

 

 

Fotografia original em http://www.neruda.uchile.cl/infancia.htm 

 

 

«Escrever é fácil. Você começa com uma maiúscula e termina com um ponto final. No meio coloca ideias.»

Pablo Neruda

 

24
Jan10

A Passagem de Nível por Maria João Brito de Sousa

eva

 

A menina de vestido azul
Avança dois passos à minha frente.
O horizonte termina na linha do comboio
Que descortino subitamente.
 
A luz vermelha acende no preciso momento
Em que a menina de azul
Pisa o primeiro carril.
 
Grito, aceno, alerto,
Mas ela não me ouve.
 
O comboio passa e a menina permanece
Apesar dele, dos acenos e dos gritos.
Apesar da luz vermelha…
 
Sou eu quem não está lá,
Naquela inexistente passagem de nível
Onde acaba a linha do horizonte.

 

 

17
Jan10

O Medo segundo Alexandre O'Neill

eva

Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 - 21 de Agosto de 1986) 

 

 

Perfilados de medo
 
Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.
  
Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.
  
Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido...
 

 

 

O Poema Pouco Original do Medo
 
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
 
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes 
ouvidos não só nas paredes 
mas também no chão 
no tecto
no murmúrio dos esgotos 
e talvez até (cautela!) 
ouvidos nos teus ouvidos
 
O medo vai ter tudo 
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos 
heróis
(o medo vai ter heróis!) 
costureiras reais e irreais 
operários
          (assim assim)
escriturários
          (muitos)
intelectuais
          (o que se sabe) 
a tua voz talvez 
talvez a minha 
com certeza a deles
 
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
 
Ah o medo vai ter tudo 
tudo
 
(Penso no que o medo vai ter 
e tenho medo 
que é justamente 
o que o medo quer)
 
             *
O medo vai ter tudo 
quase tudo 
e cada um por seu caminho 
havemos todos de chegar 
quase todos 
a ratos
 
Sim
a ratos

 

 
in  "Alexandre O'Neill - Poesias Completas 1951/1983”